Os países escandinavos – e os demais países nórdicos, como Islândia e Finlândia – há muito tempo são pioneiros na igualdade de gênero. Estavam entre os primeiros a conceder o direito de voto às mulheres e a implementar leis que promoviam uma sociedade mais justa, como a proibição de demissões por motivo de casamento ou licença parental.
Suécia, Noruega e Dinamarca estão entre os países com a menor diferença salarial média entre gêneros no mundo, com 7,6%, 5% e 4,9%, respectivamente. Para se ter uma ideia, esse índice chega a 16% no Reino Unido, 18,5% nos EUA e 15,3% na Alemanha. De maneira semelhante, os países nórdicos superam grande parte do mundo em termos de baixa desigualdade de emprego entre gêneros, uma métrica baseada na diferença percentual entre a parcela de mulheres e homens empregados ou em busca de trabalho.
Construir uma sociedade pautada na igualdade e na responsabilidade social dessa forma não apenas levou ao conhecido monopólio dos países nórdicos nas primeiras posições do Relatório Anual de Felicidade da ONU, mas também fez com que, historicamente, esses lugares fossem mais abertos à ideia de meninas e mulheres jogando futebol do que em outros. O direito de as mulheres jogarem bola se tornou parte de um movimento mais amplo pela igualdade.
Na Noruega, o futebol feminino era praticado já em 1928 – a patinadora artística Sonja Henie, tricampeã olímpica e atriz de Hollywood, foi a grande atração em um dos jogos pioneiros. Na Suécia, a partir de 1918, já se realizavam partidas beneficentes contra times masculinos, de forma muito parecida com o que acontecia na Inglaterra.
Mães fundadoras e o grito da base
No entanto, mesmo em sociedades escandinavas tão progressistas, o futebol feminino não foi aceito universalmente em seu início. Seu avanço exigiu o esforço obstinado de muitos indivíduos e grupos. Uma dessas figuras essenciais para o progresso do futebol feminino norueguês foi Målfrid Kuvås, carinhosamente apelidada de “a mãe do futebol feminino na Noruega”. Kuvås começou a jogar em 1952, aos dez anos, no Børsa Boys’ Team, em Sør-Trøndelag, sua cidade natal. Ela também era uma patinadora talentosa, praticando atletismo e handebol, além do futebol.

Em 1970, Kuvås foi fundamental na organização da primeira partida feminina na Noruega desde as exibições do final dos anos 1920, um duelo entre o Amazon Grimstad e seu próprio time, do clube multidisciplinar BUL, em Oslo. Mais de 5.000 espectadores assistiram a Else Vasstøl, do Grimstad – conhecida como a “Pelé loira” –, marcar duas vezes, embora o BUL de Kuvås tenha vencido por 4 a 2.
Essa partida, assim como todos os jogos femininos da época, foi organizada fora da jurisdição da Federação Norueguesa de Futebol (NFA). Contudo, Kuvås e sua equipe foram cruciais ao pressionar o órgão regulador a reconhecer formalmente o futebol feminino, o que finalmente aconteceu em 1976, com a seleção nacional sendo fundada dois anos depois.
Do outro lado da fronteira, na Suécia, houve um aumento similar na popularidade do esporte durante os anos 1960. Em 1964, aconteceu um amistoso não oficial entre uma equipe de Löberöd e um time composto por jogadoras de vários clubes dinamarqueses. Ao longo da segunda metade da década, centros juvenis e universidades também sediaram torneios femininos, e equipes começaram a surgir por todo o país.
No final da década, vários times na Suécia, que sequer sabiam do crescimento do jogo fora de seu círculo devido à falta de cobertura, faziam tentativas preliminares de estabelecer ligas locais. Uma das mais influentes dessas equipes pioneiras foi o Öxabäcks IF, fundado em 1966 em um vilarejo de cerca de 900 habitantes. O Öxabäcks, formado por tecelãs da fábrica Gefa AB, desempenhou um papel crucial na criação de ligas regionais e nacionais, na atração do interesse da mídia e na inspiração para a formação de outras equipes, como Malmö, Umeå e Göteborg. Elas também foram peça-chave na pressão sobre as associações regionais e, finalmente, sobre a Federação Sueca de Futebol (SvFF) para que apoiassem o jogo feminino. Em 1969, Estocolmo, Malmö e Gotemburgo já tinham suas próprias ligas.
Ainda naquele ano, o governo sueco se comprometeu a apoiar o esporte não-elite para promover a saúde pública, mas a SvFF continuava longe de se convencer a abrir suas portas para o futebol feminino. O crescimento do esporte logo se tornou impossível de ignorar, com o número de jogadoras licenciadas saltando de 728 em 1970 para 4.901 em 1971, graças ao surgimento de times locais e ligas regionais.
No mesmo ano, à medida que a pressão da UEFA e a realização de Copas do Mundo não oficiais começavam a surtir efeito, a SvFF finalmente nomeou um comitê para explorar a possibilidade de a entidade organizar o jogo feminino. Apesar de o comitê ter concluído que havia “riscos específicos” para as mulheres jogarem futebol do ponto de vista fisiológico, o “desenvolvimento muito rápido e parcialmente fora de controle” do jogo em nível nacional levou a Federação Sueca a acolher o futebol feminino em 1972. No ano seguinte, foi estabelecido um campeonato feminino, com o Öxabäcks vencendo a edição inaugural, e a primeira partida internacional formal foi disputada. Em 1980, o país já contava com 26.522 jogadoras licenciadas.
Em 1984, onze anos após o primeiro jogo internacional reconhecido, a Suécia venceu a Eurocopa, liderada pela atacante carismática Pia Sundhage, que viria a treinar a seleção nacional entre 2012 e 2018. No total, em onze edições do Campeonato Europeu entre 1984 e 2013, a Suécia venceu uma e foi vice-campeã três vezes, enquanto a Noruega venceu duas e ficou em segundo lugar quatro vezes.
O contraste alemão e a ascensão dos clubes
Enquanto o futebol feminino ganhava destaque na Escandinávia no final do século XX, uma história diferente se desenrolava do outro lado do Mar Báltico, na Alemanha, país que seria vice-campeão mundial em 1995, atrás da Noruega. O futebol feminino havia sido proibido na Alemanha Ocidental de 1955 a 1970. O presidente da DFB (Federação Alemã de Futebol) na época, Peco Bauwens, disse sobre a decisão unânime:
“Nunca consideraremos seriamente esse assunto. Não é uma questão para a DFB. Se uma dúzia de mulheres se reúne em algumas cidades e funda um clube de futebol, isso é problema delas.”
Na Alemanha Oriental, o futebol feminino não era proibido, mas era tratado como uma atividade recreativa, não profissional. Mesmo assim, no final de 1971 – o mesmo ano em que a primeira liga foi formada no Ocidente – havia 150 times femininos no Leste.
As seleções internacionais foram fundadas na década de 1980, com destinos bem distintos. A equipe feminina da República Democrática Alemã (RDA) foi fundada em 1989. Sua vida foi curta: o primeiro e único jogo, em maio de 1990 (derrota de 3 a 0 para a Tchecoslováquia), ocorreu apenas cinco meses antes da dissolução da RDA.
Enquanto isso, a seleção da Alemanha Ocidental jogou pela primeira vez em 1982, vencendo a Suíça por 5 a 1. Em 1989, o país sediou o precursor da Euro Feminina (a Competição Europeia de Futebol Feminino) e conquistou o torneio, derrotando a Noruega por 4 a 1 na final. Esse sucesso impulsionou a criação da Bundesliga Feminina em 1990. O sucesso gerou ainda mais sucesso. A Alemanha venceu a Eurocopa oito vezes entre 1989 e 2013. Após ser vice-campeã mundial em 1995, conquistou o torneio em 2003 e 2007, culminando com o ouro olímpico em 2016.

A dominação das seleções alemã e escandinava nesse período foi forjada no nível dos clubes. Na Inglaterra, hoje, cresce o reconhecimento de que a diferença de qualidade entre o futebol masculino e o feminino se deve à falta de profissionalismo e investimento no desenvolvimento das mulheres. Essas eram discussões que haviam ocorrido muito antes na Alemanha e nos países nórdicos, onde ligas domésticas sólidas ofereciam treinamento de elite que ajudou a diminuir essa lacuna histórica.
O impacto dessa abordagem de base nunca foi tão claro quanto na Liga dos Campeões Feminina (ou Copa da UEFA Feminina) no início dos anos 2000. Entre 2002 e 2015, os times alemães venceram nove vezes: Frankfurt (quatro), Turbine Potsdam e Wolfsburg (duas cada), e Duisberg (uma). Enquanto isso, o pioneiro Umeå IK, campeão sueco sete vezes de 2000 a 2008, tornou-se o primeiro (e ainda único) vencedor sueco da Liga dos Campeões em 2003 e 2004. Durante esses catorze anos de domínio alemão e sueco, apenas duas outras equipes conseguiram se destacar, ambas pioneiras em suas ligas domésticas.
O toque pessoal dos “Game Changers”: Arsenal e Lyon
Na Inglaterra, entre a FA assumir o controle do futebol feminino em 1993 e o lançamento da Women’s Super League em 2008, um time dominou. Fundado por Vic Akers em 1987, o Arsenal se tornou o clube feminino mais bem-sucedido da Inglaterra, creditado por liderar a popularização do jogo e ser pioneiro na ideia do envolvimento dos clubes masculinos no futebol feminino da época. O Arsenal conquistou doze títulos antes da primeira temporada da Super League em 2011 (e mais três desde então), tendo como rivais mais próximos Croydon, Doncaster Belles e Everton.
Akers foi crucial para o sucesso e desenvolvimento da equipe. O ex-lateral, que passou a maior parte da carreira jogando nas Terceira e Quarta Divisões, ingressou no Arsenal após a aposentadoria para trabalhar em projetos sociais do clube e fundou o time feminino. Ele se tornou roupeiro da equipe principal masculina sob George Graham, mas garantiu que conseguiria manter seu papel no time feminino.
“Não tínhamos muito dinheiro,” disse Akers à The Offside Rule em 2016. “Contávamos com poucas horas de treinamento à noite, porque as meninas trabalhavam durante o dia. Às vezes, só começávamos às 21h. Algumas jogadoras viajavam longas distâncias, mas insistimos porque o esforço delas era inacreditável. Eram tão dedicadas e precisavam de toda ajuda que pudessem ter na época.”
Akers tinha um olhar brilhante para o recrutamento – algo ainda evidente no trabalho que faz para sua ex-assistente e atual técnica do Chelsea, Emma Hayes. Com o apoio da diretoria e do ex-vice-presidente do Arsenal, David Dein, ele conseguiu arranjar empregos para algumas de suas jogadoras dentro do próprio clube, aproximando-as o máximo possível do profissionalismo. Sob sua iniciativa, as atletas do Arsenal combinavam o futebol com funções administrativas, trabalhos na bilheteria e até mesmo lavagem de uniformes. Poucos times femininos da época eram acolhidos dessa forma por seus clubes parentais masculinos. Embora o apoio possa parecer mínimo no contexto dos investimentos atuais, o fato de as mulheres do Arsenal serem reconhecidas formalmente pelo clube, usarem a camisa oficial e a marca, era de uma importância tremenda.
Akers exigia muito de suas jogadoras e enfatizava a aptidão física e a vida saudável – provavelmente influenciado pelas mudanças radicais que Arsène Wenger introduziu no time masculino. Como força motriz no desenvolvimento do jogo feminino na Inglaterra, o Arsenal organizava torneios por convite na ausência de uma liga nacional, e Akers também pressionava a FA por mais, defendendo que as finais da Copa da Inglaterra Feminina fossem jogadas em Wembley muito antes de a primeira final ser realizada no estádio nacional, em 2015.

Os Gunners conquistaram seu primeiro troféu sob o comando de Akers em 1992, com a Copa da Liga, na mesma temporada em que subiram para a Women’s Premier League. O time venceria o título no ano seguinte, iniciando seu domínio do futebol feminino na Inglaterra ao longo das décadas de 1990 e 2000, com nomes influentes como a atacante Julie Fleeting, a goleira Emma Byrne, a meio-campista Katie Chapman, a lateral Alex Scott, a artilheira da Inglaterra Kelly Smith, a zagueira Faye White e a atacante Rachel Yankey, apenas para citar algumas.
A joia da coroa desse domínio foi a vitória de 2007 sobre o time sueco Umeå para erguer a Liga dos Campeões (então chamada de Copa da UEFA). A final foi disputada em duas partidas, e o gol de Alex Scott nos acréscimos na Suécia deu às underdogs uma vantagem apertada para a partida de volta em Borehamwood. O Umeå ostentava em seu elenco a lenda brasileira Marta e a atacante sueca Hanna Ljungberg, mas o Arsenal se superou para segurar o potente time visitante diante de 3.467 torcedores.
O Arsenal abriu um caminho que inspirou investimentos de muitos clubes ingleses no futebol feminino, incluindo os atuais donos de Chelsea e Manchester City, dois clubes que, nos últimos anos, ultrapassaram os Gunners em termos de infraestrutura e investimento.
A visão de empresário no Lyon
Enquanto isso, do outro lado do Canal da Mancha, uma história semelhante se desenrolava dezessete anos após Akers lançar o time feminino do Arsenal, mas neste caso, o homem atraído pelo jogo feminino estava no comando das finanças, e não das chuteiras.
O proprietário-presidente do Olympique Lyonnais, Jean-Michel Aulas, é outro que desempenhou um papel individual transformador no crescimento do futebol feminino. Em 2004, dezessete anos após assumir o clube francês, Aulas decidiu que o clube deveria ter um time feminino. Essa decisão não surgiu devido ao tipo de crescimento significativo que tornaria o movimento vantajoso do ponto de vista de relações públicas. Em vez disso, a motivação foi uma crença pessoal na igualdade, enraizada em sua formação e educação, e um desejo quase ativista por uma mudança social mais ampla.

Reuniões com a FIFA e a UEFA, bem como com Louis Nicollin (então proprietário do Montpellier, que defendia um time feminino no clube), ajudaram a encorajar Aulas a lançar a equipe. Mas o que mais o impulsionou foi a consciência de sua própria capacidade de promover mudanças positivas. Ele explica:
“Eu queria tentar demonstrar na prática que havia maneiras de abordar esse problema.”
É esse desejo de avançar, de buscar constantemente o crescimento e a inovação, que moveu o desenvolvimento do time feminino do Lyon.
Em Borehamwood, num campo encharcado pela chuva, o próprio Aulas estava no vestiário no intervalo, torcendo uniformes encharcados para que as jogadoras os vestissem novamente, pois não tinham roupas sobressalentes. “Pensei que a melhor maneira de resolver isso seria lutar por um tratamento comparável e igual entre todos os atletas, independentemente do gênero, fornecendo investimento total e igual em equipamentos, infraestrutura e logística prática. E nós tínhamos os meios para concretizar isso.”
Aulas mantém um relacionamento próximo com as jogadoras de ambos os times, um fator chave para o sucesso da equipe feminina, que conquistou catorze títulos consecutivos da liga antes que o Paris Saint-Germain interrompesse sua sequência recorde em 2021. Essa estratégia se mostrou mais frutífera no futebol feminino do que no masculino, se medirmos o sucesso em troféus e desempenho.
O time masculino teve sucesso nas três décadas e meia de Aulas no clube, vencendo sete títulos consecutivos da Ligue 1 entre 2002 e 2008 e chegando duas vezes às semifinais da Liga dos Campeões. No entanto, a concorrência é muito mais acirrada. Naquela época, no futebol feminino, os investimentos eram baixos e o sucesso podia ser alcançado e construído rapidamente. Além disso, a abordagem prática de Aulas o expôs às condições das jogadoras de uma forma que poucos outros proprietários vivenciaram. Enquanto a maioria dos grandes clubes masculinos não tinha um time feminino ou o mantinha distante e negligenciado, o Lyon acolheu o time feminino nos braços do clube, a pedido do proprietário.
Aulas conseguiu levar o time feminino de campeão nacional a campeão europeu e a uma equipe de elite reconhecida mundialmente. A próxima etapa é levar a marca Olympique Lyonnais a um público ainda maior. Parte da estratégia para isso é a aquisição do Reign FC (agora OL Reign), time que joga na National Women’s Soccer League (NWSL) nos EUA. Aulas acredita que a compra da equipe adiciona credibilidade, dado o valor do futebol feminino dos EUA para o esporte como um todo, e credibilidade financeira, porque “do ponto de vista econômico, os EUA são provavelmente o parceiro mais importante, ao lado do Japão”.
Acima de tudo, ele espera usar a presença do Grupo OL em um dos maiores mercados do futebol feminino como uma alavanca para influenciar as coisas em escala global. Assim como Akers conseguiu usar o nome Arsenal e o respeito que conquistou no futebol masculino para impulsionar sua busca pelo crescimento do jogo feminino, Jean-Michel Aulas reconheceu o papel imensamente significativo que pode desempenhar como um agente de poder no jogo masculino para alavancar o feminino. Nenhum dos dois foi motivado puramente por ganho financeiro, mas ambos reconheceram o enorme potencial de rentabilidade do esporte e como isso pode ser um motor para a igualdade de oportunidades.
Os torneios internacionais têm ajudado nesse trabalho, atuando como catalisadores para o crescimento, impulsionando os números de participação e o investimento doméstico. Sucesso e progresso geram mais sucesso e progresso. Se os clubes e as associações nacionais de futebol sentirem até mesmo a possibilidade de conquistar títulos ou de ter uma oportunidade comercialmente lucrativa, eles vão investir. E com isso, a cada ciclo de torneios, o jogo avança um passo.
