A revogação da proibição do futebol feminino pela Federação Inglesa (FA) em 1970 marcou um ponto de virada, mas o esporte não foi acolhido de coração aberto pelo órgão regulador a partir de então. Dizer que foi “tolerado” seria uma descrição mais precisa. O profissionalismo, em muitos países, parecia um sonho distante, e aquelas que ambicionavam construir uma carreira tinham que ser criativas para encontrar meios de jogar por dinheiro.
Nos anos seguintes ao fim da proibição, notou-se um princípio de profissionalismo para as jogadoras. Enquanto hoje, na Itália, as atletas estão confinadas ao status amador, impedidas de ganhar mais de € 30.000 por ano (antes dos impostos), nas décadas de 1970 e 1980 o país liderou o caminho, oferecendo alguma forma de remuneração profissional.
A história do futebol feminino na Itália remonta aos anos 1930, com a formação do primeiro time em Milão, em 1933, pelo Gruppo Femminile Calcistico. Infelizmente, o projeto durou pouco, sendo interrompido pelo Comitê Olímpico Italiano, que direcionou as jogadoras para o atletismo. Seguiram-se o nascimento e a morte de vários clubes e tentativas de organização, até que a Federazione Italiana Calcio Femminile (FICF) foi finalmente fundada em 1968. O primeiro campeonato começou com nove equipes, chegando a dez com a adesão do Real Torino no ano seguinte.
Logo depois, em novembro de 1969, a Itália sediou um “Torneio de Turim” com quatro equipes: Itália, Dinamarca, Inglaterra e França. Graças ao patrocínio da empresa de bebidas Martini & Rossi, todos os times tiveram seus uniformes, equipamentos, viagens e hospedagem pagos — uma situação extremamente rara na maioria das competições femininas por muitos anos.
A Copa do Mundo não oficial e o Mundialito
Em 1970, a primeira tentativa da FICF de criar uma liga italiana foi encerrada. Os dez times envolvidos formaram uma nova federação, a Federazione Femminile Italiana Giuoco Calcio (FFIGC), que sediaria também a primeira Coppa del Mondo. Esta viria a ser conhecida como a primeira Copa do Mundo não oficial. Times, jogadoras e outros defensores do futebol feminino, cansados da relutância da FIFA em sediar competições internacionais, decidiram organizar o desafio por conta própria.
A final da Coppa del Mondo foi disputada em Turim, com a Itália perdendo por pouco para a Dinamarca, mas diante de impressionantes 40.000 torcedores. Sem se abater, o país sediaria mais quatro competições internacionais entre 1984 e 1988, desta vez por meio do Mundialito, ou “pequena Copa do Mundo”, que também atraiu multidões consideráveis.
Esses torneios tiveram um papel extremamente significativo no desenvolvimento de competições internacionais no futebol feminino. Não menos importante, deram à seleção feminina dos EUA sua estreia internacional em 1985 e colocaram o futebol feminino italiano em evidência para fãs e jogadoras de todo o planeta.
O ímã italiano: Atrativo para estrelas internacionais
A proposta semi-profissional da Itália atraiu jogadoras de toda a Europa. Sue Lopez e sua colega de seleção inglesa, Dot Cassell, estavam entre as britânicas que jogaram no país. Lopez foi a primeira jogadora da Inglaterra a atuar semi-profissionalmente no exterior, juntando-se à Roma em 1971.
Enquanto isso, Anne O’Brien (Irlanda), Edna Nellis e Rose Reilly (Escócia) foram contratadas pela Lazio e ACF Milan, respectivamente, após serem tiradas do time francês Reims.

Durante sua passagem pelo Reims, Nellis, Reilly e sua ex-companheira Elsie Cook foram banidas indefinidamente pela Associação de Futebol Feminino Escocesa (SWFA) por criticarem a falta de apoio ao futebol feminino no país. Em resposta, Reilly mudou sua lealdade nacional para a Itália e foi eleita a melhor jogadora do time no Mundialito de 1984. Ela marcou treze vezes em vinte e dois jogos por seu país adotivo e conquistou oito Scudetti em vinte anos na Itália.
A jogadora inglesa Jan Lyons foi ameaçada de nunca mais jogar pela Inglaterra quando largou seu emprego no Midland Bank para atuar na Juventus em 1973. O time italiano havia sido derrotado pelo Corinthian na final do Torneio Internacional de Futebol de Reims em 1970, competição na qual Lyons e a jogadora do torneio, Margaret Whitworth, brilharam. Quando Lyons se mudou para a Itália por duas temporadas, a Juventus custeou sua hospedagem e alimentação.
A atacante dinamarquesa Susanne Augustesen foi outra estrela atraída pelo profissionalismo italiano no início dos anos 70, conquistando cinco Scudetti e três Copas da Itália ao longo de sua carreira e sendo artilheira da liga em oito temporadas diferentes. Paralelamente, Pia Sundhage, atual técnica do Brasil e ex-técnica da seleção dos EUA, passou uma temporada na Itália em sua premiada carreira como jogadora, marcando dezessete gols pela Lazio.
Eram jogadoras no auge, que sabiam que seus talentos mereciam mais. Embora a Itália não tenha sido o único país a avançar significativamente nesse período, seu papel em sediar inúmeras competições internacionais e em fornecer algum grau de profissionalismo, graças a patrocínios e interesse comercial, impulsionou o país ao topo.
Competições internacionais: O catalisador do crescimento
Ao longo da história do futebol feminino, as competições internacionais sempre atuaram como um catalisador para o crescimento. Determinação, coragem e obstinação permitiram que o esporte avançasse. No entanto, é através dos torneios internacionais que o crescimento é acelerado e os saltos qualitativos são dados.
Grandes torneios atraem a atenção do mundo; sua escala força a cobertura da mídia e exploram uma competitividade nacionalista que, por sua vez, obriga as federações a investir em prol do orgulho nacional. O triunfo da seleção masculina da Inglaterra na Copa do Mundo de 1966 ajudou a desencadear o movimento para que a proibição na Inglaterra fosse suspensa, gerando um aumento no interesse pelo futebol feminino. Quatro anos depois, um time não oficial representaria a Inglaterra na Coppa del Mondo de 1970, apesar dos protestos da FA e da proibição ainda em vigor.
O time de 1970 foi montado por Harry Batt, um motorista de ônibus e secretário do time feminino Chiltern Valley, que falava cinco idiomas e estava envolvido na WFA desde o início. A equipe de Batt atraiu grandes públicos em estádios adequados na Itália. Elas derrotaram a Alemanha Ocidental por 5 a 1 nas quartas de final antes de perder por 0 a 2 para as eventuais campeãs dinamarquesas nas semifinais. Mas nada poderia tê-las preparado para o que as aguardava no México, na Copa do Mundo Feminina de 1971.
O espetáculo do México em 1971

Mais uma vez, o torneio foi pequeno. Seis equipes chegaram às finais: o anfitrião México, além de Inglaterra, Argentina, Dinamarca, França e Itália. Martini & Rossi voltaram a ser patrocinadores, cobrindo custos de viagem, kits e hospedagem de cada equipe. Empresas locais, como Lagg’s Tea e Nikolai Vodka, também apoiaram o evento.
O Corriere dello Sport noticiou que 100.000 pessoas assistiram ao jogo de abertura entre México e Argentina no Estádio Azteca, na Cidade do México, e a final entre os anfitriões e a Dinamarca foi disputada diante de 110.000 espectadores.
O torneio enfrentou forte oposição da Federação Mexicana de Futebol, que, pressionada pela FIFA, ameaçou multar os clubes que cedessem seus campos. Os organizadores tiveram que ser criativos e contornar a proibição. Felizmente, tanto o Azteca, na capital, quanto o Estádio Jalisco, em Guadalajara, eram de propriedade privada, permitindo que o torneio ocorresse nos dois locais.
Marketing controverso e a mudança de tom
A organização só conseguiu realizar uma competição tão bem-sucedida, apesar da oposição, devido ao uso de métodos promocionais que hoje parecem exageradamente grosseiros. Os jogos foram anunciados quase como um “show de cabaré”, explorando descaradamente o sucesso da Copa do Mundo masculina do ano anterior.
As jogadoras usavam calças justas e cores vibrantes para exibir seus corpos, as traves eram pintadas de rosa, e as seguranças, tradutoras e outras autoridades usavam uniformes rosa. As atletas tinham o cabelo, a maquiagem e os cílios postiços feitos antes de falar com a imprensa e encontrar o público. Esse “barateamento” do futebol feminino, na verdade, ajudou o esporte a avançar.
No mesmo ano, 1971, a UEFA estabeleceu um comitê para o futebol feminino (embora ele tenha sido dissolvido sete anos depois). A FIFA também começou a olhar para o jogo feminino com um mínimo de interesse, em vez de desdém. Na Itália e no México, o jogo atraiu patrocinadores e fãs, explorou o merchandising e estava gerando lucro.
“Depois de anos considerando as jogadoras de futebol uma piada, as organizações oficiais de futebol exclusivamente masculinas do mundo agora estão preparadas para levá-las a sério”, disse a Reuters em abril de 1972. “Uma Copa Europeia para mulheres e, finalmente, uma Copa do Mundo Feminina parecem agora apenas uma questão de tempo.”

A FIFA, no entanto, propôs regras modificadas para o futebol feminino: “A bola pode ser mais leve, o campo menor e a duração das partidas mais curta”, relatou a Reuters. Além disso, a ofensa de ‘conduta pouco cavalheiresca’ teria que ser substituída por ‘pouco feminina’, e “a troca de camisas no campo entre os times no final de uma partida obviamente terá que ser abandonada.”
Essa mudança de atitude aumentou a pressão sobre os países onde o jogo ainda era proibido. A FIFA instruiu seus membros a encorajar equipes femininas e a oferecer instalações. Tudo isso foi impulsionado pelos eventos na Itália e no México e pela determinação das mulheres, muitas delas adolescentes, que deixaram suas casas e viajaram pelo mundo, movidas pela paixão.
Para o time inglês de Batt, “foi como entrar na Tardis ou em Nárnia, ser transportado para um mundo diferente”, disse a meia Chris Lockwood, que tinha quinze anos ao embarcar para o México. “Não acho que sabíamos o que esperar, nós só tínhamos jogado no pequeno torneio de qualificação na Sicília, que foi disputado nos campos tipo parque aos quais estávamos acostumados.”
A recepção no aeroporto surpreendeu as jogadoras: centenas de fãs cantaram, comemoraram e apareceram no hotel, oferecendo presentes e pedindo autógrafos. Era um mundo muito distante de casa, onde o futebol feminino ainda era jogado em parques.
A competição foi dura. A Inglaterra perdeu para a Argentina (4×1) e para o México (4×0). A atacante Janice Barton, uma bancária de dezenove anos, marcou todos os três gols da Inglaterra, mas foi expulsa no jogo de abertura por sair do campo para tirar as caneleiras. “Levei um chute no tornozelo e minhas pernas estavam me dando trabalho”, justificou ela.
Batt temia as lesões e a fisicalidade do jogo. “O lado argentino jogou muito duro”, disse ele. “Assisti às moças da Itália e da França ontem à noite na TV, parecia mais uma tourada do que uma partida de futebol.”
Essa fisicalidade foi usada no Reino Unido para reforçar o argumento contra o jogo e virou notícia de primeira página. “Quatorze futebolistas britânicas com cicatrizes de batalha voltaram para casa ontem à noite das disputas da Copa do Mundo Feminina no México”, dizia a manchete do Daily Mirror ao lado de uma foto de duas jogadoras de muletas no aeroporto.
Apesar da ascensão do esporte, o então presidente da FIFA, Sir Stanley Rous, usou os eventos no México para atrasar a aparente mudança de opinião sobre a viabilidade do futebol feminino. Sua alegação de estar prestes a “reescrever as regras” era válida. Em 1970, a FIFA pesquisou suas federações: das noventa respostas, apenas doze reconheciam oficialmente o futebol feminino. No entanto, o crescimento no cenário internacional logo se mostraria impossível de ser ignorado até mesmo pela FIFA.
